Em busca

11 abril 2010

"Daniel da Fé...

Daniel Da Fé era seu nome, nome que soava estranho para aquele jovem que não acreditava em nada, seria mais apropriado se o chamasse de Daniel sem Fé, mas Da Fé era nome de família, nome que veio nas caravelas de Cabral, segundo contava seu bisavó e a comunidade que ele havia encontrado no Orkut. Dezoito membros na comunidade, ou os Da Fé não gostavam das
modernidades que a tecnologia oferecia, ou não gostavam mesmo era de se multiplicar segundo o mandamento divido e católico, algo improvável, pois até onde Daniel se lembrava todos desde seu tataravô eram seguidores fiéis da Ordem do Santo Ofício, tradições medievais os seguiam.
Se alguém quisesse ver Daniel irritado, bastava fazer brincadeiras com seu nome, principalmente se a conversa era séria. Sempre tinha alguém com espírito de porco para escarnecer, “Se você não tem fé peça ao Daniel que ele Dá”- risos e mais risos – menos Daniel que tinha que ser contido para não sair distribuindo sopapos a torto e a direito.
Certo dia Daniel perdeu a hora para seu trabalho, não que houvesse dormido fora do seu horário estabelecido rigidamente por ele mesmo, nem que tivesse feito qualquer outra coisa que o deixasse com todo este cansaço, mas simplesmente não ouviu seu despertador, ou melhor, seus
despertadores, pois Daniel não confiava em um só, dormia logo com três, um ao lado da cama, outro sobre a cômoda e ainda um terceiro embaixo do travesseiro, para não correr nenhum perigo de perder a hora. Impossível os três terem falhado, logo hoje, que se chefe, havia pedido para que ele chegasse sem atrasos para uma reunião que escolheria seu sucessor, e ah como Daniel almejava este cargo. O que poderia ter acontecido?

Daniel ficou paralisado quando abriu seus olhos, não conseguia acreditar no que estava vendo, aquele lugar poderia ser qualquer lugar, mas com certeza seu quarto não era. Era uma sala ampla, toda branca e alcochoada, na verdade parecia feita de algodão-doce. Ficou embasbacado por mais alguns instantes, até tomar coragem e colocar seus pés no chão. Quando tocou, sentiu um calor percorrer todo seu corpo, não um calor de chapa quente, mas um calor de um banho após a chuva, um calor envolvente, como um abraço. Pôs-se em pé totalmente e começou a caminhar, seus olhos encheram-se de lágrimas e começou primeiro a sorrir, depois chorar, então tudo ao mesmo tempo. Pulava , saltitava, gargalhava, dobrava suas pernas e as estendia. Correu, sentindo o solo macio, quando notou que a sala não tinha fim, para onde quer que ele olhasse enxergava o infinito. Sentiu-se menino, pode parecer tolice, tanta alegria, desculpem por não contar-lhes antes, Daniel havia perdido o movimento das pernas ainda na infância, e
isto havia causado todo o amargor, não acreditava em nada, pois não via justiça em uma criança ser roubada em sua infância, roubada das brincadeiras, das alegrias, da normalidade. A quanto riso ele ouviu, dedicou sua vida a achar respostas e nunca as encontrou. Quando seus pais perderam a esperança na medicina, levaram-no a toda sorte de curandeiro, pastores, grutas milagrosas e nada surtia efeito, o que fez com que Daniel, da fé ,tivesse apenas raiva e rancor. Mas agora o que isto importava, ele estava correndo novamente, pulando , brincando. Daniel não estava pensando em mais nada, pensava apenas em suas pernas se movendo. Foi quando uma voz, não soube exatamente de onde, começou a chama-lo e dizer: “Daniel agora você acredita?”, “O que houve com sua desconfiança?”. Suas pernas começaram a sentir pequenas pontadas, o chão ficou menos macio, a sala menor e mais escura. “Daniel, isto está acontecendo realmente?”, “Você por acaso acha que isto será para sempre?” . Agora havia perdido quase todas as forças e mal se mantinha em pé, o chão eram cacos de vidro, podia ver as paredes escuras e ásperas, até que caiu , desabou sobre suas pernas, sentiu uma dor aguda, não nos seu membros inferiores, mas em sua alma, toda sua alegria foi embora, como uma névoa que se dispersa ao sol.

Daniel fechou os olhos. Quando acordou, estava ainda em sua cama, naquele seu mesmo quarto, viu os mesmos quadros que havia ganhado de sua avó materna e reconheceu em um deles, o local com o qual havia sonhado, teria sido mesmo um sonho? Pareceu tão real, o Da Fé agora recusavas-se a acreditar que aquilo não tinha mesmo acontecido, colocou toda força em seus braços e sento-se na cama, reconheceu no tapete felpudo o chão macio do seu sonho e naquele momento, Daniel teve fé, não sabia nem mesmo de onde, preparou-se para dar um impulso, quando reconheceu uma voz familiar dizendo :


“ Você tem certeza disto Daniel?”, “Porque depois de tantos anos você conseguiria? Não seja tolo” .
Uma dor esmagou seu coração, pois reconheceu aquela voz, era ele mesmo, era sua falta de fé. Mas não agora, não hoje. Empurrou as mãos contra o colchão com violência impulsionando seu corpo para frente. Daniel estava em pé, ficou nesta posição por três segundos e despencou, bateu com sua cabeça contra o trinco da porta. Ficou deitado por muito tempo, tanto que parecia um dia todo. Firmou suas mãos no chão, como quem vai fazer flexões levantou seu corpo, dobrou suas pernas e em um salto ficou de pé. A voz não dizia mais nada, onde estava ela agora? Daniel queria rir na sua cara. Quando abriu os olhos porém, viu que havia voltado para dentro do quadro, não sentia mais medo, ninguém mais iria rir dele, havia voltado a ser menino, não duvidava mais, estava em um lugar onde aquela voz jamais o
alcançaria novamente. Coisas da fé.